sexta-feira, 17 de junho de 2011

PERDÃO

Conversando sobre o perdão

Me perdoei essa semana e foi bom. Porque me perdoei e me permiti compreender o quanto de perdão há em amar e se deixar ser amado. Somos tantas vezes turvos no amor, impedindo-nos de reconhecer que as relações humanas, mas principalmente as relações de afeto, não se constroem em perdas e ganhos. Mesmo quando alguém nos faz sofrer, não há perdas, nem mesmo do tempo em passamos sentindo a dor. Não há ganhos também para aquele que, ao nosso olhar, nos trouxe incômodo ou desamor. Há tão somente uma incrível oportunidade de aprender. Com nossas reações, com a reação dos outros, com aquilo que nos oferecemos de bom todas as vezes em que nos perdoamos.

Posso daqui dizer que o exercício do perdão é algo que tenho construído nos meus 53 anos de vida. E ainda não cheguei completamente lá, no nirvana da isenção da alma, quando, tal qual a bíblica orientação, damos a outra face. Sou absolutamente mortal e repleta das homéricas falhas que, tantas vezes, me empurram para a vontade humana do "nunca vou conseguir esquecer ou perdoar isso!". Mas o curioso é que a gente esquece, ou permite que se esvaia de tal forma pela vala comum dos acontecimentos fugidios, que as poucas gotas do que resta possibilitam a sensação reconfortante de que não houve perda nem ganho. Só a conquista de sermos indiferentes à lembrança daquela dor.

Nessa trajetória cinquentenária na direção da compreensão e percepção do perdão, nem tudo foi fácil, mas tenho hoje a clara noção de que foi libertador. Principalmente porque me permitiu encontrar e conseguir enxergar as vantagens do perdoar a si próprio. Sim, eu me perdoo e isso tem sido transformador na minha relação tantas vezes dificil com o perdão aos outros.

Relendo crônicas antigas que escrevi aqui para o Criative-se, já na pré-seleção dos textos que farão parte do livro que vou editar, encontrei uma que fala exatamente sobre o perdão – que não é de surpreender porque sei o quanto gosto de falar do assunto. O trecho dizia:

“Experimente ver assim: fora raríssimas exceções, não existem ações realizadas por nossos interlocutores, e que nos ferem, nos machucam, sem que nelas não estejamos envolvidos. Isso significa dizer que o gesto, a palavra, a intenção do outro, e que tem sobre nós o efeito bombástico da arma que faz doer, contou com nossa participação, ainda que não como agente. Ou seja, e sei que isso não é simples, mas está longe de ser paradoxal, somos parte da ação que nos machuca. Se somos parte e temos sobre nossa parte, tantas vezes, o livre arbítrio, por que não reconhecer nossa própria culpa e nos oferecer a sanativa dose do perdão que nos cabe?

E então me perdoo, sim. Às vezes tão rápido, eventualmente de forma mais lenta. E nessa estrada, de curvas agudas, declives abissais e asfalto irregular, eventualmente encontro as linhas retas que me fazem perceber o quão bom é não amargar em mim, em nós, a dor de um gesto, de uma palavra mais dura, que até pode ter sido dilacerante, mas que vai cicatrizar. Porque é assim que somos: facilmente feríveis e intensamente cicatrizáveis (com a licença poética das palavras inventadas).

É claro que tantas vezes construímos dentro da gente mirabolantes explicações para poder encontrar o caminho que nos faça nos entendermos com nós mesmos. E sei que esse caminho que proponho aqui, e que certamente não é original porque senão estaria eu concorrendo ao Prêmio Nobel das discussões existenciais, é tão somente uma forma de olhar, uma escolha pelo que mais conforta. Contudo, é isso que buscamos na vida, não? O conforto para sermos capazes de ver melhor o que, tantas vezes, só se turva à nossa frente”.

Sim, tal qual dizia essa crônica antiga, me perdoo. E certamente hoje com um olhar ainda mais reflexivo e menos egóico. Me perdoo justamente porque já sou capaz de perceber ,ou pelo menos de me fazer entender, que me sentir culpada ou responsável por alguma coisa é tantas vezes uma forma vaidosa de me preservar como parte daquela história, como personagem importante e fundamental para que aquele enredo evolua e seja aplaudido pela platéia no final.
Outro dia uma amiga me disse que, na opinião dela, era possível fazer a divisão entre o que somos emocionalmente, racionalmente e intuitivamente. Segundo sua surpreendente proposição, podíamos separar, e de forma autocontrolada, as expressões emocionais daquelas ditas pela voz da racionalidade ou da intuição. Perguntei à ela a fórmula mágica e ainda estou esperando a resposta. Porque se assim fosse, jamais magoaríamos alguém racionalmente e nós sabemos que, tantas vezes, é assim que fazemos. Nem perdoaríamos racionalmente. Não sei se essa separação é possível, realmente não sei se isso é algo que busco. Acho que queremos o equilíbrio, o centro, o eixo que nos permite perdoar, mas principalmente compreender. Porque quando compreendemos, seguimos adiante sem olhar para trás. Aí sim é muito mais fácil não tropeçar na calçada. E nem ralar o joelho.

Beijo grande.

Nenhum comentário:

Postar um comentário